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Carta dos Auditores-Fiscais da Receita Federal à Sociedade Brasileira

postado em 22/11/2006 7:52 / atualizado em 22/11/2006 7:52

O Congresso Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Conaf) reuniu em Natal (RN) 400 auditores-fiscais de todo o País para discutir seu papel como autoridades de Estado essencial para seu financiamento e traçar as diretrizes de atuação do Unafisco Sindical para o próximo biênio. Tendo como norte o interesse público e o resgate dos valores republicanos, os participantes apresentam à categoria e à sociedade suas contribuições.
No Brasil há um conflito distributivo de natureza fiscal associado a uma tensão federativa, de elevadas proporções, que agrava a concentração social e espacial da renda e riqueza, o que demanda uma profunda revisão das atuais bases tributárias e do pacto federativo. Tal conflito agravou-se com o intenso aumento das receitas em resposta ao aumento dos encargos financeiros incidentes sobre a dívida pública, interna e externa, que em média triplicaram, relativamente a sua participação em relação ao PIB, nos últimos 12 anos.
O ônus fiscal foi financiado por brasileiros de baixíssima renda e assalariados médios, subjugados por uma perversa transferência de renda para as 20 mil famílias de rentistas detentoras da quase totalidade dos títulos circulantes no mercado financeiro, desprezando a função social do tributo de promoção da justiça fiscal, sobretudo em um país campeão em concentração de renda e de riqueza.
Sem uma redistribuição do ônus tributário, socialmente equilibrado e economicamente produtivo, continuar-se-á suprimindo injustamente a renda disponível das classes populares, reprimindo-se a demanda agregada e mantendo-se a prática inconstitucional de uma espécie de confisco salarial, via tributação forçada das rendas mais baixas.
A condição de eficácia do sistema tributário é o pleno funcionamento da Administração Tributária, cuja atuação deve ser pautada pela ética e pela transparência, sem jamais perder de vista a justiça tributária ou adotar concepção mercantil. Contudo, a Secretaria da Receita Federal, nos últimos 12 anos, deixou de priorizar o combate à sonegação, modificando a sua missão institucional, para dela retirar a promoção da justiça fiscal sem a necessária observância do interesse público e consulta às autoridades de Estado, a quem cumpre defendê-lo: o auditor-fiscal.
A fusão da Secretaria da Receita Federal (SRF) e da Secretaria da Receita Previdenciária (SRP), pretendida pela Administração de nossa instituição, não traz a alegada eficiência. Diagnóstico, projeto, plano e estimativas não existem. O monopólio fiscal de um único órgão implica riscos de desorganização funcional e comprometimento das competências especializadas. Ademais, o Decreto 5.644/2005 é suficiente para racionalizar a ação cooperada da SRF com a SRP. O maior programa de distribuição de renda do Brasil representado pela Previdência Social, bem como as políticas públicas de Saúde e Assistência Social, deve ser fortalecido. Isso somente será possível se todas as receitas próprias da Seguridade Social ficarem preservadas mediante vínculo constitucional. O patrimônio dos trabalhadores, já consolidado, não pode ser apropriado pelo Tesouro mediante fusão dos dois órgãos.
Diante dos desafios, a Administração tenta apequenar a aduana, fragilizando-a diante das pressões para a flexibilização dos controles aduaneiros, sob o argumento da agilidade e facilitação do comércio exterior, como explicitado na nova missão institucional da SRF, mitigando a segurança pública e subjugando os interesses nacionais. As modificações implementadas menosprezaram a proteção à produção nacional, aos postos de trabalho nacionais, ao mercado interno, ao meio ambiente, colocando em risco a saúde pública, possibilitando o aumento das fraudes comerciais, do descaminho e do contrabando, até mesmo de drogas e de armas. A Medida Provisória dos Portos-Secos, além de agravar tal situação, transfere para a iniciativa privada a decisão sobre o lócus e o modus operandi do fluxo de mercadorias, submetendo o Estado aos interesses do mercado.
O percurso que levou ao progressivo afastamento dos objetivos da instituição em relação aos interesses maiores da sociedade passou pela agressão continuada à condição de autoridade pública dos auditores-fiscais. Temos assistido irresignados a um processo de usurpação da autoridade de Estado, tendo como contrapartida a concentração de poder na cúpula do órgão por meio de atos normativos sem respaldo em lei, como é o caso do Mandado de Procedimento Fiscal (MPF).
Somem-se a isso as tentativas de implantar na SRF modelos inspirados na gestão privada, estranho a organização de natureza pública, cujos objetivos são diferentes. Pois no primeiro o lucro e o caráter individual prevalecem, enquanto no segundo o objetivo é satisfazer o interesse público. Políticas de pessoal erráticas e açodadamente implementadas como o Propessoas, seguindo modismos que o setor privado cria e destrói ciclicamente para melhor mercadejá-las, em nada contribuem aos objetivos declarados.
A SRF atravessa um momento crítico. Inúmeros episódios envolvendo a cúpula do órgão chegaram ao conhecimento da opinião pública, com prejuízos à imagem social da instituição. Por essa razão é inaceitável a existência de salvaguardas a qualquer dos servidores do órgão quanto ao controle exercido pela Corregedoria da Receita Federal, independentemente de sua posição hierárquica dentro da instituição.
Em nenhum outro momento da história do País mostrou-se tão cristalina a necessidade de a Secretaria da Receita Federal adaptar-se ao controle democrático da sociedade civil organizada. A adoção da lista tríplice para o provimento do cargo de Secretário da Receita Federal, cujos integrantes estariam sujeitos a requisitos claramente identificados, além de submetidos a um elenco de compromissos para serem cumpridos, demarcaria parâmetros convenientes para afastar de suas atribuições decisórias as influências externas de costume, alheias ao interesse público.
É imprescindível o fortalecimento da carreira dos auditores-fiscais da Receita Federal, de forma a garantir suas prerrogativas e o exercício pleno das suas atribuições legais. O papel da autoridade de Estado a serviço do combate à sonegação, ao contrabando e ao descaminho é o mais relevante que a administração pública dispõe e um dos mais significativos no combate à injustiça social.
Os auditores-fiscais da Receita Federal, portanto, reafirmam seu compromisso histórico com a busca da justiça tributária e a edificação de um sistema tributário progressivo, sem o que é impossível consolidar uma Administração Tributária ética e transparente, merecedora do respeito de todos os brasileiros, como também buscam caminhos de um novo paradigma para garantir a reputação e a legitimidade funcional no comando da SRF.
Natal, 11 de novembro de 2006

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