Neste momento crítico na economia do país, com a necessidade do ajuste fiscal e a urgência de complexas decisões entre o corte de gastos – essenciais, inclusive, e o nada desejado aumento de tributos, a educação fiscal é tema mais relevante do que nunca.
A publicação recente do livro História da Educação Fiscal do Estado de São Paulo, que procura sistematizar informações acerca das campanhas de premiação realizadas e dos programas de Educação Tributária, Educação Fiscal para a Cidadania, Nota Fiscal Paulista, me estimula a retomar algumas das reflexões que nortearam a concepção dos programas de caráter educativo que, num enfoque mais analítico das iniciativas, não recomendava a realização de campanhas de premiação, ressaltando o trabalho com educadores e a transversalidade curricular do conteúdo.
As conclusões da Administração Tributária que relatam que as campanhas até então promovidas não tiveram efeitos mensuráveis na arrecadação e indicam que interesses pessoais tendiam a prevalecer foram objeto de artigo que publiquei na Educação, Tributação e Cidadania (maio/1995). Por exemplo, na Gincana da Nota Fiscal (1992), mais de oitenta por cento dos documentos arrecadados foram cupons fiscais de supermercados, muitas vezes apanhados do chão. Durante mais de uma década, a extinta Diretoria de Planejamento da Administração Tributária e, mais tarde, a Fazesp se posicionaram de maneira efetiva contra a realização de iniciativas desse tipo.
Quanto à campanha permanente em vigor desde 2007, faço minha a opinião de José Roberto Soares Lobato, Secretário Adjunto da Afresp, na primeira edição da revista Classe (p. 8), em sua abrangente análise das impropriedades do Programa da Nota Fiscal Paulista: o aumento de arrecadação observado não pode ser atribuído ao programa, já que sua criação foi concomitante com o aumento do uso da substituição tributária; as grandes redes predominantes no setor varejista não incluem entre suas estratégias de sonegação a de não emitir notas fiscais, existindo, portanto, pouco espaço para o fiscal-cidadão; quanto ao sonegador contumaz do varejo, o ganho marginal de arrecadação com o programa é praticamente zero e, assim sendo, os créditos concedidos anualmente constituem mera renúncia fiscal; no aspecto pedagógico, a lógica que leva o consumidor a pedir nota fiscal aqui é a mesma que o leva a não pedir nota fiscal em outras situações; por fim, devolver dinheiro de imposto é contraditório, imposto deve ser cobrado e, se o Estado pode suportar essa renúncia, seria o caso de diminuir a carga do tributo.
O livro História da Educação Fiscal do Estado de São Paulo não faz menção ao trabalho cooperativo que a Fazesp desenvolveu com a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP) da Secretaria da Educação, cujo histórico consta do artigo publicado pela Transparência Internacional, que selecionou nosso relato (meu e do Cássio Junqueira) e nosso país para figurar na revista Teaching Integrity to Youth – Examples from 11 countries (Alemanha, 2004). Talvez não seja exagero considerar essa publicação como uma das mais significativas do programa de educação fiscal no estado.
Em que pesem as demais parcerias da Fazesp com entidades mencionadas no artigo, o Sinafresp – Sindicato dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo, a Afresp – Associação dos Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo, e o CRC – Conselho Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo, que apoiaram diversas ações de educação fiscal, a experiência de 2003-2004 em 518 escolas reforçou algo que já havia sido identificado no trabalho com 450 escolas estaduais em 1994 e com 22 estabelecimentos de ensino municipal da Capital em 2005-2007: a importância da participação dos educadores das secretarias de educação e da inserção desse conteúdo interdisciplinar no plano pedagógico da escola.
Pelos relatos de professores de vários dos 518 estabelecimentos estaduais e por inúmeros trabalhos elaborados por seus alunos, obtivemos indicadores de que, no período de 1996-2003, houve continuidade das ações, em muitos casos, quando a escola havia integrado em seu plano pedagógico a educação fiscal. A experiência de 2003-2004 ressaltou também a convicção de educadores e estudantes de que o aumento de consciência cívica que essas atividades proporcionam é fundamental para a construção de nossa nação brasileira democrática. Cabe enfatizar, então, um aspecto de especial relevância nas atividades realizadas com a Secretaria da Educação, tanto nesse período (2003-2004) como no anterior, 1992-1994: o esforço em capacitar professores para tratar sobre questões fiscais e de cidadania em todas as disciplinas curriculares. A coordenação dessa tarefa coube sempre a educadores (da CENP, em especial), com o apoio de participantes da Secretaria da Fazenda.
No governo seguinte, infelizmente, interrompeu-se novamente a parceria com a Secretaria da Educação, porque esta, priorizando o atendimento à necessidade de ensinar português e matemática, suspendeu projetos especiais, entre eles, o de Educação Fiscal.
Os educadores que participaram do Grupo de Trabalho Educação Tributária, mais tarde, Grupo Nacional de Educação Fiscal, defendiam acertadamente o tratamento transversal do tema, ou, passando a tratá-lo como “tema interdisciplinar”, que deveria perpassar toda a vida escolar e não ser objeto de disciplina curricular. Esse conteúdo passou a ser considerado “tema social contemporâneo”.
A meu ver, a educação fiscal integra a educação geral e deve ser trabalhada com os alunos pelos professores, não havendo dúvida de que, do ponto de vista da formação, é inapropriado seu tratamento como disciplina curricular, já que as questões relativas a arrecadação e alocação de recursos públicos dizem respeito a todas as áreas de conteúdo.
A educação fiscal é tema que deve perpassar todos os setores e todas as atividades da Escola Fazendária e, por isso, não deve estar concentrado num Centro. Não quero dizer que, com as múltiplas demandas do dia a dia, a tarefa seja fácil de realizar, mas que sua importância deve ser sempre considerada. A educação fiscal constitui um tema social contemporâneo. Em especial, no contexto de crise econômica e política em que o país se encontra, essa discussão assume importância de amplitude incomum, não somente no currículo ou na esfera escolar, mas na vida.