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Integração dos Fiscos… Verdade ou mentira?

postado em 20/11/2006 16:12 / atualizado em 20/11/2006 16:12

O atual nível de desenvolvimento tecnológico ao mesmo tempo em que resolve uma infinidade de problemas e satisfaz necessidades até então inexistentes também é o responsável por uma série de desconfortos e inquietações.

Na área tributária não é diferente. Estamos no início de uma nova era que será regida pela Tecnologia da Informação. Rotinas de transmissão de dados com assinatura digital; importação; exportação; extração; manipulação e entrelaçamento de arquivos eletrônicos passam a fazer parte do dia-a-dia de Auditores Fiscais na mesma proporção que dos Contadores e Advogados.

Na esteira dessa evolução, algumas atividades simplesmente deixarão de existir, como a escrituração de livros fiscais, nos moldes em que conhecemos hoje.

Da mesma forma, a impressão de formulários contínuos para uso fiscal está com os dias contados. A adoção da Nota Fiscal Eletrônica fará sumir do mapa esse produto tão largamente utilizado pelas empresas.

O certo é que na história da humanidade a única coisa que permanece imutável é o fato de que tudo está em constante mudança. E a velocidade e a forma com que ocorrem tais mudanças é cada vez maior.

Esse é ponto sobre o qual falamos hoje. A inovação tecnológica não deve dar vazão a qualquer tipo de movimento centralizador de informações que possa vir a dificultar o trabalho do Fisco, quando o objetivo seria exatamente o contrário.

Ocorre que a configuração atual desse novo modelo, que envolve Escrituração Digital (Contábil e Fiscal); Nota Fiscal Eletrônica e Sincronização de Cadastro de Contribuintes prevê a centralização de todas as informações eletrônicas na Receita Federal.

Antecipo-me aos normativistas de plantão que já estão pensando, nesse ponto da leitura: “mas existem acordos de colaboração e troca de informações que possibilitarão o acesso a tais dados pelos Fiscos em todo o País”.

Peço a esses teóricos que olhem em volta, e verifiquem se dentro de suas próprias repartições há um nível de comunicação eficaz. Investiguem se os diversos departamentos (ou células, núcleos, etc.) que compõem a estrutura de suas próprias instituições travam um nível de comunicação eficiente.

Agora vamos ampliar um pouco o foco de exame. No momento em que todas as informações – contábeis e fiscais – estiverem de posse de um único órgão (no caso a Receita Federal) – como processar milhares de requisições por dia? Serão efetivamente, pronta e integralmente atendidas?

Àqueles que apostam no sim, peço mais uma vez que examinem o que ocorre atualmente. Olhem novamente em volta e verifique o nível de dificuldade de se acessar as ferramentas que já dispomos hoje. Siscomex, Portal, e outras.

Para ficar num patamar mais palpável, peço aos mesmos que observem o nível de integração dos Fiscos Federal e Estadual na área portuária. A chamada Zona Primária continua (não me expliquem, pois eu não quero entender) sendo de atuação exclusiva da Receita Federal. E ai de quem ousar penetrar naquele nicho.

A requisição de informações oriundas de Declarações de Imposto de Renda por parte do Fisco Estadual junto à Receita também é outro ponto melhor deixar sem comentários.

Pois é. Aos leigos que estiverem lendo pode parecer ilógico pensar que mesmo ações necessárias como a integração dos Fiscos para o combate à sonegação, pirataria, roubo de cargas, entre outras seja algo que fique num plano inferior ao da racionalidade.

Estamos, pois, diante de uma necessidade de revolucionar algo que é muito mais difícil do que a questão digital. Teremos que racionalizar o compartilhamento no uso de tal informação. E para isso, temos um grande problema a solucionar. Por incrível que pareça, não está ligado à informática, e sim ao ser humano. Essa ferramenta maravilhosa, mas que ao mesmo tempo é cheia de complicações e egocentrismo.

E é aí onde reside toda a minha dúvida acerca da funcionalidade do que se avizinha. Estudamos as rotinas de segurança da informação e podemos afirmar que os riscos que muitos apresentam como inerentes ao projeto em si (como insegurança no tráfego de informações digitais, por exemplo) não são maiores do que aqueles que já existem hoje no modelo tradicional (como a falsificação de selos, autenticações, mau uso e outros).

Ao participarmos do III ENAT – Encontro Nacional de Administradores Tributários, ocorrido em Fortaleza nos últimos dias 8 a 10 de novembro de 2006, pudemos constatar que as nossas preocupações estão se materializando. A apresentação do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED) na área contábil revela uma realidade que vai contra as premissas constitucionais elencadas no artigo 37.

A cabeça do referido artigo determina que a administração pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

O inciso XXII do mesmo artigo estabelece que a atuação dos Fiscos se dá de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio.

Vejamos então o que estabelece o art. 1.193 do novo Código Civil (Lei No. 1.046/02) com relação ao exame de documentos de contribuintes: “As restrições estabelecidas neste Capítulo ao exame da escrituração, em parte ou por inteiro, não se aplicam às autoridades fazendárias, no exercício da fiscalização do pagamento de impostos, nos termos estritos das respectivas leis especiais”.

Pois na apresentação do SPED Contábil o que vimos foi a iniciativa de materializar-se uma rotunda ilegalidade. A equipe de técnicos composta em sua maioria por Servidores da Receita faz uma apresentação à frente dos representantes do Fisco estadual brasileiro e afirma que dados contábeis de filiais estarão indisponíveis ao Fisco onde as mesmas se localizam.

A disponibilização de informações contábeis se dará apenas para o Fisco da União. Para o Fisco Estadual, somente para aquele onde estiver baseada a matriz daquela empresa, e mesmo assim – pasmem! – somente aquelas informações julgadas estritamente necessárias ao andamento da referida ação (e quem julgará o que é ou não necessário?).

Pronto! O ENAT acaba de rasgar além da Constituição Federal o nosso Código Civil.

O mais interessante foi observarmos que na própria apresentação feita por esses técnicos, a “Integração de Fiscos” e o “Compartilhamento de Informações” estavam bem destacados logo no início, em letras destacadas nos seus “slides”. Mas com o andamento da mesma, ficou clara a intenção da Receita: Centralizar ao máximo as informações e repassar apenas o que julgar necessário.

A partir daí fiquei abismado com a complacência da platéia. Mesmo formada por servidores do Fisco estadual em sua maioria, ficaram todos apenas boquiabertos, admirando a tudo o que lhes era empurrado goela abaixo.

Fiz uso da palavra e questionei a apresentação afirmando exatamente que a ilegalidade estava materializada naquela iniciativa de limitar o acesso às informações para o Fisco Estadual.

Não se deram conta os demais colegas que a referida apresentação servirá, num futuro bem próximo, para que a própria Receita afirme em alto e bom som que toda a concepção do projeto SPED foi ampla e democraticamente discutida com todos os setores do Fisco e da sociedade civil. Lindo!

Aquele seria um ótimo momento para o Fisco Estadual (além do Fisco Cearense) ter feito uso da palavra e questionado veementemente tal situação. A situação em que foi colocado o Fisco Estadual (de mero espectador) não condiz com o espírito de discussão que o ENAT alardeia ser. Se for para discutir, então vamos discutir. Se for só para dizer amém, então vamos todos para a Igreja!

Que respeito podemos nós, integrantes do Fisco, exigir do contribuinte no cumprimento à lei se estamos atropelando os Princípios Constitucionais da Legalidade e da Eficiência?

Como exigir que o contribuinte exiba suas informações contábeis e fiscais se dentro da própria Administração Tributária não temos força para cobrar respeito da Receita para com o Fisco Estadual?

Como exigir eficiência à Administração Tributária Estadual se o direito legal ao exame de informações contábeis foi tungado em um órgão de discussões que nasceu com o objetivo de INTEGRAR e SINCRONIZAR?

Será que temos dois (ou três) tipos de agentes do fisco? Será que existem aqueles agentes de primeira, os de segunda e os de terceira categoria?

E que poder tem esse órgão (que não possui sequer personalidade jurídica própria) para, em nome de uma “construção coletiva” acatar argumentos da iniciativa privada, restringindo exame de livros contábeis, e assim violar princípios constitucionais e o regramento legal positivado?

O poder, caros colegas, se materializará nas próximas reuniões do ENCAT – Encontro Nacional dos Coordenadores da Administração Tributária e em seguida do CONFAZ. Aí sim, o poder se materializa em formato de Convênio, com os atuais governadores assinando um cheque em branco para a Receita dar mais um passo em direção à tão almejada meta: Federalizar o ICMS.

A bomba cairá sobre o colo dos novos governadores e, principalmente, nos colos dos agentes do Fisco Estadual e Municipal.

Interessante nesse ponto mencionar o Fisco Municipal. Pelo que pude perceber na apresentação, não há previsão no SPED Contábil de disponibilizar qualquer tipo de informação ao mesmo. Com a palavra a FENAFIM!

Quero deixar explicitamente clara a minha opinião acerca de todas as mudanças e proposituras: Sou favorável ao processo que já se iniciou. Sou favorável até ao repositório único oficial de dados realizado pela Receita Federal. Não tenho medo de encarar o novo de frente. Pelo contrário! Sou um incentivador de processos inteligentes, baratos e eficientes como a idéia desse é apresentada.

O que não posso concordar é com a validação de tamanha ilegalidade, principalmente por conhecer e estudar a Tecnologia da Informação. Para mim, a argumentação de que “em nome do consenso e da construção coletiva” devemos abrir mão da legalidade não cola!

Nesse sentido estamos escrevendo o presente artigo e enviando-o a todos os colegas do Fisco Nacional através da Febrafite. E como Diretor de Estudos Tributários dessa entidade envidaremos esforços junto à Presidência da mesma para que na próxima reunião do ENCAT (28 a 30 de novembro) a ilegalidade seja revertida.

Através desse mesmo expediente, sugiro ao Presidente da FEBRAFITE, Dr. Roberto Kupski, que encaminhe o presente ao Presidente da FENAFIM, para que as entidades possam estar cientes do que se planeja, e possam então adotar as medidas adequadas que o caso requer.

O desafio maior não é ultrapassarmos a revolução digital. É vencermos as dificuldades geradas pela vaidade e egoísmo humanos. Essa é uma fase evolucionária na qual o homem continua a engatinhar.

Espero sinceramente estar errado. Espero que essas minhas dúvidas e questionamentos sejam infundados e que tudo – no final – termine bem. Espero que o bom senso suplante as vaidades e egoísmos que enxergo atualmente. Espero que a verdade possa superar a mentira.

Juracy Braga Soares Júnior

Auditor Fiscal da Receita Estadual – SEFAZ-CE

Bacharel em Direito e Contábeis pela UFC, Especialista em Auditoria pela UNIFOR

Mestrando em Controladoria pela UFC

Presidente do Instituto Brasileiro de Pesquisas Contábeis – IBPC

Presidente da AUDITECE – Assoc. dos Auditores e Fiscais do Tesouro do Ceará

Diretor de Estudos Tributários da FEBRAFITE

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