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2050: um país de velhinhos pobres?

postado em 10/03/2015 0:00 / atualizado em 10/03/2015 0:00

Coluna – Antonio Delfim Netto

 
A Constituição de 1988 explicitou as condições que nos levarão à sociedade civilizada: 1) uma república; 2) uma democracia sem adjetivos; e 3) um Estado constitucionalmente forte, que com instituições bem construídas, garantirá o bom funcionamento de uma organização social: a) que permitirá a plena liberdade de iniciativa dos cidadãos e a apropriação dos benefícios dela decorrentes; e b) que levará a uma relativa igualdade de oportunidades que tornará o futuro de cada cidadão menos dependente do lar em que foi criado; cuidará de minorar as agruras dos menos favorecidos pela sorte através de programas que os habilitarão a conquistar a plena cidadania com seu próprio esforço e criar um sistema coletivo de assistência social universal que reduza os riscos da aposentadoria. 
 
Está na hora de o Brasil encarar como será seu encontro com o futuro 
 
O objetivo final dessa organização social é permitir a cada um construir a sua própria humanidade, que não se esgota no trabalho exigido para sua pura subsistência. Pelo contrário, é preciso deixar a cada cidadão mais tempo para realizar-se plenamente, o que exige dele cada vez maior produtividade no trabalho de atender suas necessidades materiais. Há, aqui, um velho trilema produzido pela natureza humana e comprovado historicamente. Depois de uma seleção quase natural, que dura pelo menos há 150 mil anos, os homens não encontraram, ainda, uma organização social que maximize, ao mesmo tempo, a liberdade individual, a igualdade e a eficiência produtiva que lhes permitiria gozarem plenamente as duas primeiras. 
 
Desde o começo do século XVIII, ficou claro que elas só poderiam ser acessadas assintoticamente. Tratava-se de um jogo entre a eficiência da organização da economia pelos "mercados" (que ignoram a igualdade e aceitam a liberdade) e a diabólica invenção do sufrágio universal (a "urna"), gestada pela pressão da organização dos trabalhadores, que insiste na igualdade, mesmo à custa de alguma redução no aumento da eficiência. 
 
O jogo progride sob o efeito "catraca": a melhoria de qualquer uma delas (liberdade, igualdade, eficiência) só é aceita pela urna quando não exige o retrocesso significativo de nenhuma das outras duas. 
 
A Constituição de 1988 deixou aberta diversas possibilidades para o papel interventor do Estado no campo da organização econômica para a consecução daqueles objetivos, todas sujeitas ao controle que ela mesma instituiu. Está mais do que na hora do Brasil tentar encarar como será o seu encontro com o futuro, digamos 2050. 
 
A população mundial terá atingido 9,6 bilhões de habitantes, 1,2 bilhão a mais do que a de 2010, principalmente na África e na Ásia (exceto Japão), que têm baixo nível de renda e farão tudo (até guerra!) para ampliá-lo, aumentando a pressão sobre os recursos naturais e a deterioração ambiental. 
 
A nossa, depois de crescer até 2040, terá diminuído para 226 milhões com 14% dela com idade de até 14 anos e 23% com idade superior a 65 anos. 
 
Estaremos condenados a ser apenas uma sociedade de velhos que não tiveram a coragem de tentar ser ricos? Se nossa política continuar oscilando entre uma direita truculenta, vítima da mais profunda idiotia, e uma esquerda primitiva de assustadora ignorância e não menos agressiva, que têm como contra partida intelectual no campo da economia, respectivamente, o assassinato do Estado e a sua divinização, vamos cumprir aquele destino. 
 
É hora de abandonar a filosofia laxista que se impôs nas últimas três décadas, segundo a qual 70% de nossos problemas o tempo resolve e os outros 30% são insolúveis! A falta de pensar o futuro é visível nas tragédias recorrentes que estamos vivendo, que na nova língua do "grande irmão" chama-se de "crise hídrica" e é causa eficiente da crise "energética"! Não pode ser por acaso que em pleno 2015 estejamos revivendo a marchinha de sucesso nos Carnavais do início dos anos 60 do século passado, onde se cantava o Brasil como o "país em que de dia falta água e de noite falta luz". Isso sugere, sem surpresa, que as mesmas causas sempre produzem os mesmos efeitos… 
 
Por mais preconceituosas que sejam as desconfianças de parte da sociedade, é preciso reconhecer que, diante das dificuldades enfrentadas em 2011-14, a presidente Dilma escolheu um caminho mais realista, que nos aproximará da administração "normal" dos países mais bem-sucedidos: Estado forte, mas regulado; mais regulador do que interventor; finança pública bem organizada; reforço das garantias jurídicas; liberdade de empreender e reter os seus benefícios: estímulo à competição, ao investimento e à exportação; intolerância com o abuso do poder econômico e, finalmente, coordenação das políticas fiscal, salarial, cambial e monetária para obter alto nível de emprego pelo crescimento do PIB, com equilíbrio interno (taxa de inflação parecida com a externa) e equilíbrio externo (déficit em conta corrente financial). 
 
O caminho é claro, mas é também íngreme, duro e pedregoso. Só nos conduzirá ao destino, se for honesta e fortemente apoiado por toda a sociedade. É, de fato, uma razoável alternativa, dentro dos limites políticos hoje exploráveis, para que em 2050 não sejamos aquele país de velhinhos que jogou fora a chance deles se realizarem mais plenamente…
 
 
Valor Econômico, publicado em 10/03/2015

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